sexta-feira, 6 de abril de 2012

Um modo de vida


Todas as semanas era assim, um dia por semana, por vezes dois, dependendo da forma como corria a época. Era o seu escape do dia á dia, era onde descarregava as frustrações das semanas de trabalho, dos problemas diários que lhe apresentava a vida, esquecia-se de tudo, só aquilo lhe importava, só tinha na cabeça a vontade de ver o seu clube ganhar, de tudo fazer para ajudar a que isso acontecesse-se, fosse dentro do campo ou fora dele.

Dentro do campo pouco podia fazer, só lhe restava apoiar a sua equipa durante o tempo em que esta mostrava o seu poder nas quatro linhas, mas fora dele, aí ele era Rei, podia mostrar que ali podia ser ele, e muitos que como ele amavam o clube do seu coração, que era o principal interveniente do jogo, que nas bancadas ou fora do Estádio, na rua, mandava ele e que nada podia escapar-lhe, que não podia ficar atrás dos adversários, independentemente do que fizesse ou fizera a sua equipa em campo, dos seus resultados, mas fora deste tinham de ser ele a ganhar.

Nada era mais importante que isso, elevar o nome do seu clube, do seu grupo, o seu, tudo dependia disso, o seu anonimato, aquele que mantinha na sua vida pessoal e profissional acabava ali, onde se sentia em casa, com os seus, com aqueles que como ele tinham o mesmo objectivo de vida, os que como ele lutavam por um ideal. Todos os dias eram encarados como se fossem o último, era assim que sobrevivia, era assim que saia por cima, não podia ceder, não podia faltar, o clube e o grupo dependiam dele assim como ele dependia deles, era uma ligação para a vida, para a eternidade.

Não planeava nada, tudo era ao acaso, o próprio correr do dia lhe ia dizendo como o mesmo acabaria, mas era isso que os tornava interessantes, era isso que alimentava aquela vontade, que lhe causava formigueiro na barriga, sempre a espera que algo acontecesse, tudo era imprevisível mas ao mesmo tempo era também isso que lhe dava adrenalina.

Era como se de uma droga se tratasse, não tinha cura, cada vez era mais intensa aquela vontade de lá estar, não conseguia deixar de estar presente, nem punha essa hipótese, não queria saber o que poderia acontecer, no que poderiam pensar, tinha de ir, ajudar no que pudesse, mesmo que isso significa-se que tinha de derramar sangue, que podia ficar prejudicado em termos profissionais, não queria saber, não lhe importava nada disso, afinal de contas toda a sua vida é que era um escape, aquilo sim é que era o seu verdadeiro modo de vida!

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Foi só mais um


Era novo no meio, não sabia ao certo o que ia encontrar no primeiro dia junto daqueles que antes só vira na televisão, pareciam tão distantes estando ali tão perto, não tinha ideia de como fazer uma aproximação sem parecer intrometido, estava desnorteado, sem saber o que dizer nem como o dizer, só tinha a certeza que finalmente estava ali, onde sempre sonhara estar, podia agora lutar pelo que acreditava, pela justiça, tinha a voz que muitos queriam ter e outrora ele também quis, tinha alcançado o seu objectivo de vida!

Aos poucos foi-se aproximando, foi torneando obstáculos, foi ganhando terreno, sendo conhecido por tudo e por todos, falando mais alto que muitos dos que ele considerava intocáveis, estava a traçar rapidamente o rumo da sua carreira, não podia falhar, tinha tudo delineado na sua cabeça e não ia ceder, estava lá e não ia perder essa oportunidade.

Os dias passavam nesta nova faceta da sua vida, e a sua voz, aquela que pensava ter, ia-se perdendo, o contacto com a sua nova posição e com os outros que agora eram iguais tinham-no tornado um acomodado, muito do que lhe era importante passou a secundário, terciário, não tinha interesse, a posição e os lóbis eram mais importantes, a sua posição pessoal e profissional eram tudo para ele, não olhava a fins para alcançar os meios. Tinha novos propósitos, novas ambições, reparou que estava diferente, que tinha sido influenciado, que para ser alguém e ter poder tinha de ceder, tornar-se igual a tantos outros, até mesmo aos que ele chegou a condenar, alguns eram agora os seus melhores amigos.

Já se tinha entranhado no corpo, em casa, sozinho, tentava perceber onde tinha errado, onde estava a falha, como podia ter mudado tanto em tão pouco tempo, não compreendia, mas entendia, não podia ser de outra maneira, só assim podia proporcionar a ele e a sua família uma vida boa e estável na profissão que quis para ele, tinha de evitar a todo o custo que os que como ele viviam dessem cabo da sua imagem, com calunias, com mentiras, com enxovias publicas, tinha de ser assim, tinha de se calar, não havia outra hipótese.

Prejudicou muitos para beneficiar outros, mesmo sabendo que estava a errar, tinha de o fazer, não convinha ir contra os dele, proteger quem o poderia no futuro proteger a ele, era esse o seu propósito, era para isso que hoje trabalhava, sem vacilar fazia as coisas sem pestanejar, era inato, era automático, não havia opções, só soluções premeditadas e previstas, só tinha de assinar e despachar, se desse problema alguém ia abafar os estragos e tudo o que o pudesse queimar a sua imagem, estava sempre protegido…

Mas um dia tudo mudou, estragou tudo, falou mais alto que quem não devia, foi contra os “seus”, quis defender aqueles que eles decidiram atacar, não lhe perdoaram, fizeram tudo para o prejudicar, tira-lo do caminho, atacaram-no publicamente, caluniaram-no, mentiram sobre ele, pagaram a alguém para o fazer, ele sabia-o, também o tinha feito, mas não podia falar, não quis prejudicar-se ainda mais, tinha de se afastar, fê-lo sem hesitar, para se proteger, para proteger a sua família, os que amava, aqueles que um dia chegou a trair ou a desiludir, arrependeu-se mas já era tarde, perdeu a oportunidade de ser diferente, foi igual a tantos outros, perdeu a voz, nada mudou com a sua passagem e voltou a ser aquilo que era antes, um desconhecido, alguém que um dia pôde dizer que no seu pais foi mais um, apenas mais um político…